2 de fevereiro de 2011

A redução de Deputados não resolve problemas do país

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Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Se alguma coisa vinda deste Governo ainda fosse capaz de nos surpreender, teríamos ficado surpreendidos pela adesão serôdia do Ministro Jorge Lacão à velha tese da direita mais demagógica e populista de que é preciso reduzir o número de Deputados.

Porém, na situação desesperada em que este Governo se encontra, esta manobra de diversão do Ministro dos Assuntos Parlamentares, não nos surpreende.

Perante a situação desgraçada a que este Governo conduziu o país; perante o roubo dos salários dos trabalhadores da Administração Pública; perante o aumento do custo de vida; perante o aumento do desemprego e das falências; perante o corte das prestações sociais; perante uma política que premeia a especulação e se rende perante a espoliação da economia nacional; perante a proposta do Governo de tornar os despedimentos mais fáceis e baratos; perante uma política que condena centenas de milhares de famílias a uma revoltante pobreza; este Governo não tem nada que o defenda.

Para o Ministro Jorge Lacão, o problema do nosso país não está na taxa de desemprego, não está na destruição do tecido produtivo nacional, não está no aumento chocante das desigualdades sociais. O problema, para o Ministro Jorge Lacão, é que a Assembleia da República tem 230 Deputados quando deveria ter 180.
A redução do número de deputados tem, em Portugal, três grupos de defensores.

O primeiro grupo é o dos que nunca se conformaram com a democracia e que fazem eco da concepção de Salazar que, nos anos trinta, em célebre entrevista a António Ferro, afirmava que para Parlamento lhe bastava o Conselho de Ministros. Para esses, qualquer Deputado é um Deputado a mais e atacam o Parlamento em todas as circunstâncias. A razão desse ataque é que o Parlamento, enquanto expressão da representatividade democrática do país, é o único órgão de soberania onde a oposição encontra espaço de intervenção institucional. Por isso, o ataque salazarento ao parlamento é acima de tudo um ataque à oposição e à democracia. Entre este primeiro grupo estão alguns porta-vozes do poder económico mais saudosista e que encontram eco em alguma comunicação social cada vez mais rendida ao populismo e à demagogia barata.

Um segundo grupo, integra muitos cidadãos que, influenciados por um discurso anti-parlamentar, e não necessariamente mal intencionados, estão convencidos de que a redução do número de deputados seria uma forma de punir os responsáveis pela má governação do país, roubando o lugar a uma mão-cheia deles. O que estes cidadãos não estão a ver, porque isso lhes é normalmente escondido, é que aqueles políticos que pretendem punir, seriam precisamente os grandes beneficiários da medida que propõem e que, em vez de lesar quem exerce o poder, a redução do número de deputados lesaria precisamente quem pretende fazer oposição, fiscalizar o poder e contribuir para uma alternativa às más políticas que têm desgovernado o país.

Finalmente o terceiro grupo, onde agora se alistou insere o ministro Jorge Lacão, é o dos defensores dessa espécie de partido único do situacionismo, que é o Bloco Central e da alternância sem alternativa entre o PS e o PSD. Esses sabem muito bem quais os efeitos da redução do número de deputados na proporcionalidade do sistema eleitoral e encaram a redução como uma forma ardilosa de obter um seguro de vida para os partidos do Bloco Central. O PS e o PSD assegurariam a hegemonia da Assembleia da República e os demais partidos ficariam limitados a uma expressão residual, com fracas possibilidades de influenciar soluções governativas e com muito menos possibilidades de fiscalizar a acção do Governo.

A redução do número de Deputados é uma velha bandeira demagógica do PSD. Foi erguida em 1989, quando nessa revisão constitucional o PS aceitou a redução do número de Deputados de 250 para 230. Essa redução teria muitas virtudes. Tantas como as que hoje teria a redução para 180. Mas alguém notou essas virtudes? Pelo contrário. O efeito dessa redução foi aumentar na secretaria o peso relativo dos dois maiores partidos na composição do Parlamento. A redução do número de Deputados é uma fórmula mágica para reduzir a proporcionalidade do sistema eleitoral e para que o PS e o PSD obtenham maiores maiorias com menor número de votos.

O princípio da representação proporcional foi uma importante conquista democrática e um elemento fundamental para a legitimação das instituições representativas. Um Parlamento, para ser uma Casa da Democracia e para representar um Povo, tem de ser representativo das correntes políticas em que esse Povo se revê e que tenham uma expressão minimamente significativa. Quando a engenharia eleitoral distorce a representação para favorecer as correntes políticas maioritárias em desfavor das restantes é a própria democracia que sai distorcida.

Um estudo ainda recentemente dado à estampa sobre a reforma do sistema eleitoral, encomendado precisamente pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista a três distintos politólogos portugueses, concluiu, em face da análise comparativa da dimensão do Parlamento Português que, Portugal não tem Deputados a mais, muito pelo contrário. Quando comparamos a situação portuguesa à de países com uma dimensão populacional equivalente à nossa, verificamos que o ratio indica claramente que a dimensão do Parlamento Português não é exagerada, muito pelo contrário: temos um Parlamento pequeno.

Além disso - conclui o estudo – uma redução significativa da dimensão do Parlamento poderia contribuir para comprimir a proporcionalidade, poderia reduzir a representação territorial e social, bem como contrariaria a ideia de aumentar a qualidade da representação.

Será que o Ministro Jorge Lacão desconhece este estudo e estes factos? Seguramente que não. Será que o Ministro Jorge Lacão, ao fim de tantos anos de experiência política descobriu, na redução do número de Deputados, virtudes de que nunca havia suspeitado antes? Seguramente que não.

O que o Ministro Jorge Lacão encontrou, com a sua adesão a um velho propósito do PSD, foi uma conveniente manobra de diversão, para afastar a agenda política e mediática daquilo que realmente preocupa os portugueses, que são as consequências negativas da política do seu Governo no dia-a-dia dos trabalhadores e das suas famílias.

Não, Senhor Ministro Jorge Lacão, o que preocupa a grande maioria dos portugueses e faz recair o descrédito sobre a política e os políticos, não é a dimensão da Assembleia da República. É a dimensão do fracasso da política do seu Governo.

É a política de desastre nacional que o Governo tem conduzido, de braço dado com um PSD que colabora prestimosamente com o que de mais negativo esta política contém e que, não satisfeito, nos brinda com reivindicações da mais completa irresponsabilidade, como a redução da despesa pública sem saber dizer onde, quando e como, com a extinção de organismos públicos sem saber dizer quais e com que consequências, ou com esse absoluto dislate do discurso político que é a defesa da extinção das empresas públicas de transportes, é essa política de desastre nacional – dizia eu – que é responsável pelo descontentamento que justamente alastra pelo país.

A situação a que o nosso país chegou não se deve ao facto de haver 230 Deputados na Assembleia da República. A situação a que o nosso país chegou é da responsabilidade dos partidos que têm governado o país nos últimos 35 anos, numa alternância sem alternativa, em que o PS e o PSD, com ou sem o CDS, têm repartido entre si cargos e prebendas no Governo, nas empresas públicas e no aparelho de Estado, sacrificando os interesses nacionais e destruindo direitos sociais fundamentais do povo português em nome dos interesses e da ganância dos detentores do poder económico.

A defesa da democracia não passa pela redução do número de Deputados. Passa por uma prática política de todos os detentores de cargos públicos que dignifique o exercício dos mandatos conferidos pelo povo português, que cumpra as promessas feitas e honre os compromissos assumidos.

Disse.

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