3 de novembro de 2010

Intervenção na Assembleia de República

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Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República
Um Orçamento contra os interesses do povo e a soberania do país

Senhor Presidente
Senhor Primeiro-ministro
Senhores membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

Discutimos hoje uma proposta orçamental de estagnação económica e de retrocesso social que os banqueiros e os designados mercados financeiros querem impor ao nosso País e ao nosso Povo. Uma proposta orçamental em que um Governo dócil e colaborante executa as propostas políticas que melhor servem os interesses da especulação financeira, a estratégia dos grandes grupos económicos e o autoritarismo e a arrogância do directório político de uma União Europeia totalmente dominada pelo eixo franco-alemão.

Discutimos hoje um Orçamento ditado de Bruxelas mas que é da responsabilidade política do PS e do PSD, esse centrão partidário quase pantanoso que, ano após ano, governo após governo, encontra sempre forma de convergir na imposição de mais sacrifícios para os trabalhadores e para a grande maioria dos portugueses, e na criação de renovadas facilidades e vantagens para os grandes interesses económicos e financeiros.

A história mais recente aí está para o voltar a confirmar: para além das farsas ao jeito de telenovelas mexicanas, para além do desperdício de rios de tinta e quilómetros de gravações, as opções neoliberais de austeridade, as políticas de direita contra a soberania e os interesses do Povo e do País constituem o cimento que os leva, ao PSD e ao PS, a encenar acordos que até podem alterar pormenores secundários mas que mantêm a mesma estratégia essencial de profunda injustiça social e de crescente subalternidade e dependência da nossa economia.

Senhor Presidente
Senhores membros do Governo
Senhores Deputados

O Orçamento do Estado para 2011 parte de uma ficção que é resultado de uma mentira política do Governo até há poucos dias atrás.

O défice em 2010 só não vai ser de, pelo menos, 8,3%, (1 p.p. acima do previsto), porque o Primeiro-ministro, fazendo tábua rasa do que sempre aqui disse durante mais de cinco anos, vai integrar o Fundo de Pensões da PT, uma empresa privada, e utilizar receitas extraordinárias no valor de 2600 milhões de euros sem dar informações credíveis do que essa integração significa sobre as responsabilidades futuras da Segurança Social. Tal como fez Durão Barroso e Santana Lopes, que na altura tanto criticou, o Primeiro-ministro martelou as contas públicas de 2010 com esta receita extraordinária e, (submarinos à parte), procura esconder buracos (até agora) não devidamente explicados, no SNS, nas Estradas de Portugal, e nas transferências para o Poder Local e as Regiões Autónomas.

Para além disto, o Governo baseia o Orçamento num cenário macroeconómico sem pés nem cabeça em que nem ele próprio acredita.
Prevê o Governo um crescimento de 0,2% do PIB quando todas as entidades prevêem nova recessão.

Prevê um crescimento de 7,3% nas exportações apesar de admitir que a procura externa baixe para metade. Prevê este crescimento nas exportações enquanto estima que as importações diminuam (-1,7%), um cenário incompatível com a actual estrutura da nossa economia.
Prevê que o consumo privado apenas baixe 0,5% quando se esperam fortes quebras no rendimento com os cortes nos salários e prestações sociais, o congelamento das pensões e o aumento dos impostos.

Só o Governo consegue a proeza de estimar a descida de todos os indicadores com relevância para o crescimento, à excepção das exportações e, ao mesmo tempo, ainda esperar crescimento económico!
Mas é o próprio Governo que acaba por reconhecer que a recessão económica é inevitável: quando prevê o valor do crescimento económico, o Governo usa um cenário optimista para induzir o valor anunciado de 0,2%; só que, quando estima o aumento da receita fiscal, o Governo já usa outra previsão que nos conduz afinal para uma recessão de -0,7%!
É caso para dizer: “gato escondido com o rabo da recessão de fora”!
Mantém-se, entretanto, a habitual manipulação na taxa de desemprego.

O Governo previa para 2010 uma taxa de desemprego de 9,8%; agora reconhece que em 2010 será de 10,6% mas, não obstante a recessão económica em que vai lançar o País, acha que o desemprego só subirá mais duas décimas.

Não é engano nem uma previsão mal feita, este valor do desemprego.

Ao subestimar a taxa de desemprego, o Governo tenta justificar o injustificável, isto é, o corte de quase 7% das verbas para apoiar os desempregados num País onde o desemprego não pára de bater valores tristemente históricos, fruto das políticas de austeridade a que nos conduzem as parcerias entre PS e PSD que já viabilizaram o Orçamento de 2010 e se preparam para votar o Orçamento de 2011.

Senhor Presidente
Senhor Primeiro-ministro
Senhoras e senhores Deputados

Importa também sublinhar a total identificação de políticas e de propostas concretas que levaram o PS e o PSD a entenderem-se para viabilizar o designado “orçamento dos banqueiros”.

Como diz hoje ao Jornal de Negócios Ricardo Salgado, presidente do BES, “fizemos bem as coisas com este acordo orçamental” (…).
Valeu então a pena a via-sacra da Lapa ao Terreiro do Paço, acrescentamos nós!

Na realidade, PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque ambos concordam com o corte dos salários dos funcionários da administração central, local e regional, dos médicos, enfermeiros, professores, magistrados, agentes de segurança, militares – bodes expiatórios e alvos prioritários de uma política injusta e cega de austeridade.

PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque estão ambos de acordo com o congelamento das pensões e reformas, com a escandalosa extinção do 4.º e 5.º escalões e a eliminação da majoração para os dois primeiros escalões do abono de família, com novos cortes nas comparticipações dos remédios, (em especial para idosos e doentes crónicos), com mais cortes no complemento solidário para idosos ou com as novas regras populistas que impedem de facto o acesso ao subsídio de desemprego a centenas de milhares de portugueses desempregados como se a responsabilidade deste tragédia social lhes fosse imputável.

PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque estão ambos de acordo com os cortes cegos no investimento público que, ano após ano, constitui pedra de toque de sucessivos orçamentos e determina, em 2011, que o PIDDAC preveja apenas 2263 milhões de euros contra os 6724 milhões de 2005, (menos 66%), primeiro ano do primeiro governo do Eng Sócrates, e contra os 2833 milhões de euros em 2009, uma quebra relativa superior a 20% com consequências evidentes no aprofundamento das assimetrias regionais e na degradação crescente da coesão interna do nosso País. E basta ler o “protocolo de entendimento entre o Governo e o PSD” para concluirmos que, afinal, só vão estudar e analisar as PPPs mas em nenhum momento escrevem, muito menos decidem terminar com este maná de lucro fácil e garantido para os grupos ligados à construção civil e à banca que lhes suporta a engenharia financeira. Tanta basófia para afinal garantirem que o modelo das PPPs tem futuro garantido, sob a batuta do PS ou sob a batuta do PSD.

PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque ambos desejam ardentemente prosseguir e acelerar a privatização de empresas públicas que garantam lucros fáceis aos grandes grupos económicos e contribuam para a degradação e destruição de serviços públicos essenciais.

PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque ambos estão de acordo em ampliar a injustiça fiscal, com o aumento do IVA, o mais injusto dos impostos, cujo peso relativo passa de 29,8% (em 2009) para 39,2% do total das receitas fiscais (uma subida de dez pontos percentuais), ou com o aumento do peso do IRS face ao IRC, uma vez que o imposto sobre lucros empresariais já só representa menos de 30% do total dos impostos directos.

A parceria entre PS e PSD para viabilizar este Orçamento é tão forte e íntima que até vão subscrever actos de quase pura propaganda como seja a chamada “contribuição sobre o sistema financeiro” que ninguém sabe quanto vai afinal valer e – pior ainda - que o Governo quer remeter para decisão de gabinete longe do escrutínio parlamentar e da opinião pública.

Senhor Presidente
Senhores membros do Governo
Senhores deputados

O Orçamento do Estado para 2011 mostra bem como é que este Governo trata o Estado Social.

Costuma o Governo encher a boca de discursos e retórica em defesa do Estado Social e acusar o PSD de o querer destruir, mormente em sede constitucional. Mas a verdade é como o azeite, vem sempre à tona, aparece sempre com a crueza e clareza dos números orçamentais.

O Governo prevê em 2011 um corte de 984 milhões nas transferências para o orçamento da Segurança Social; no caso do Serviço Nacional de Saúde, o Governo quer cortar mais 600 milhões de euros em 2011; na Educação, o corte no Ministério da Educação atinge 884 milhões de euros relativamente ao orçamentado em 2010 e, no Ministério do Ensino Superior o corte nas transferências para as instituições atinge um valor próximo dos 370 milhões de euros.

Isto é, nas áreas fundamentais do Estado Social, Governo nem pensa duas vezes: de uma penada dá uma machadada que totaliza mais de 2835 milhões de euros, cerca de três mil milhões de euros a menos no designado Estado Social.

Mas há ainda mais e mais grave no que respeita ao Estado Social: o peso das despesas com as funções sociais no Orçamento baixa de 18,2% do PIB para 16,4% do PIB, um corte de 1,8% do PIB num ano em que se prevê, (como disse Bruto da Costa numa recente entrevista), que o número de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza suba para 2,2 milhões de pessoas, mais 400000 que em 2008, cerca de 22% da população em Portugal.

Diz-se que a vontade antiga do PSD é extirpar da Constituição tudo o que cheire a Estado Social. Mas, como temos dito e o Orçamento comprova, a verdade é que o PS para lá caminha e concretiza e executa na prática tudo o que o PSD deseja mudar na Constituição.
Não basta, portanto, dizer que se defende o Estado Social. É preciso demonstrá-lo. E o Orçamento para 2011 mostra bem como este Governo afinal despreza o Estado Social que tanto diz defender.

Senhor Presidente
Senhor Primeiro-ministro
Senhores Deputados

Portugal precisa de uma alternativa política que rompa com o ciclo de declínio. Essa alternativa, ao contrário do que teima em insistir o PS, existe mas terá que romper com as orientações neo-liberais, dizer não ao directório alemão da União Europeia, fazer frente aos interesses dos grandes grupos económicos e à especulação financeira. Uma alternativa que passe pelo crescimento e pelo investimento, que combata o desemprego em vez de apostar no controle fundamentalista de um défice que nos leva a todos para o caminho da recessão e do retrocesso social. Uma alternativa que aposte na produção, na defesa da agricultura e das pescas, na defesa e reforço da capacidade das micro e pequenas empresas, na defesas e reforço da capacidade industrial, no controle das importações e no combate sem tréguas à dependência externa e à subserviência política. Uma alternativa que combata as desigualdades, que melhore as condições de vida dos trabalhadores, dos reformados, da população em geral e promova uma autêntica justiça fiscal.

Uma alternativa que não tem abrigo neste orçamento que terá que ser construída a pulso e exige a esperada mobilização de cada vez mais portugueses na luta por uma vida melhor.

Disse.

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