Quem são os militantes nas fotos que surgem coladas na página 10 do jornal manuscrito O Fogo, de Janeiro de 1936, elaborado por militantes do PCP presos em Peniche? Quais os seus nomes, idades, origem social, em suma, a sua história? Por que razão se encontravam presos na Fortaleza de Peniche naquele início de ano de 1936? Como foi possível iludir a guarda dentro dos muros de Peniche e desenhar com corpos no chão uma estrela da revolução e no seu centro as iniciais do Partido Comunista? E quem tirou e revelou as fotos? Como entrou uma máquina fotográfica na cadeia da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE)?
Estas perguntas, há décadas por responder, poderão agora começar a encontrar resposta através da investigação histórica, fruto do acordo estabelecido entre o PCP e o Arquivo Nacional da Torre do Tombo que teve como resultado a realização da exposição "Cada fio de vontade são dois braços/ e cada braço uma alavanca: jornais manuscritos na prisão (1934-1945)", que amanhã é inaugurada na Torre do Tombo, em Lisboa.
Será assim restaurado e disponibilizado ao público em geral um conjunto "absolutamente único de 900 páginas - mais de 50 exemplares de cerca de 18 títulos" de jornais manuscritos clandestinos feitos por militantes do PCP nas cadeias da PVDE, explicaram ao P2 os responsáveis por esta exposição inédita, Domingos Abrantes e Silvestre Lacerda, respectivamente responsável pelo arquivo histórico do PCP e director-geral da Torre do Tombo.
Aos olhos do público estarão patentes, para já, um original do UHP, um do Pavel e um do O que entra, devidamente protegidos e iluminados, no piso de entrada da Torre do Tombo. Por detrás dos expositores, foram colocados ecrãs tácteis onde estão disponíveis para consulta as imagens digitalizadas de todas as páginas desses jornais manuscritos clandestinos.
Posteriormente, todos os documentos serão colocados no sítio da Internet deste arquivo histórico nacional.
A abertura dos arquivos do PCP ao grande público teve um primeiro momento quando da disponibilização de materiais para serem integrados na exposição sobre a Guerra Civil de Espanha e o Tarrafal realizada na Torre do Tombo.
"Verdadeiros artistas"
Agora, essa colaboração voltou a verificar-se para esta mostra que revela "materiais inéditos e pouco conhecidos até dentro do PCP", se bem que alguns fac-símilestenham sido dados à estampa em Março de 2003, pelo jornal partidário Avante!, explicou Domingos Abrantes
Os exemplares têm o tamanho aproximado de uma folha A5 e são a reprodução do modelo dos jornais da altura. Frisando que "obedecem ao modernismo nas artes gráficas e são feitos por verdadeiros artistas", o director da Torre do Tombo sublinha ainda que "não há conhecimento sobre quem são os seus autores" - mas esse, diz, " é um trabalho a fazer pelos investigadores".
Nota, porém, que "há sinais de que alguns foram escritos por pessoas que tinham de ser eruditas".
A importância destes materiais agora divulgados é imensa, diz Domingos Abrantes, salientando o carácter peculiar destes jornais clandestinos. São, na sua esmagadora maioria, órgãos teóricos de reflexão e doutrinação comunista destinados ao enquadramento dos presos comunistas na organização do PCP.
O partido estava organizado nas cadeias em células (grupos de militantes) e possuía já uma forte componente organizativa, nesta década em que se situa a Reorganização de 1940-43. Os documentos agora expostos revelam isso mesmo. "Eram virados para a preparação dos presos do ponto de vista ideológico e psicológico", diz Domingos Abrantes.
Os textos abrangem um leque de questões teóricas e políticas que marcaram aquela década de guerra na Europa. Os temas abordados vão do nazismo ao anti-semitismo, passando pela guerra e pela Frente Nacional. Fala-se da União Soviética, do marxismo-leninismo, do Centralismo Democrático.
Há ainda descrições pormenorizadas da vida nas cadeias, do número e famílias políticas e ideológicas dos presos e até balanços de contabilidade de gastos financeiros e das caixas de despesas das células comunistas nos estabelecimentos prisionais.
"Outras propostas na mesa"
O director da Torre do Tombo revela que "a ideia da exposição surgiu durante os contactos com o responsável das Edições Avante!, Francisco Melo, no âmbito da preparação das Obras Completas de Álvaro Cunhal". A Torre do Tombo disponibilizou os materiais necessários, mas tratou de "saber da possibilidade de o PCP disponibilizar o seu arquivo histórico ao público".
Uma colaboração que deverá prosseguir. Domingos Abrantes promete que, no futuro, o PCP vai continuar a abrir os seus arquivos históricos. "Temos outras propostas na mesa. Envolvendo materiais que se perdem, se não forem recuperados com os meios técnicos de que a Torre do Tombo dispõe. E há também a necessidade de satisfação do interesse geral. Estamos abertos a continuar."
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